Fixação Biológica de Nitrogênio na cultura da Soja
Conceitos, interações e fatores determinantes para uma nodulação eficiente
Introdução
A ICL América do Sul possui um programa completo denominado Nodulação Ativa (Agora Mais Viva), que reúne tecnologias nutricionais, fisiológicas e biológicas (Up! Seeds, Tônus, Actibio X Brady, Actibio X Azos). Essas tecnologias reunidas visam garantir alta eficiência do processo de Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN) durante todo o ciclo da cultura da soja, contribuindo para uma maior produtividade e rentabilidade. Assim, segue uma revisão e atualização de conceitos gerais, processos envolvidos na interação micro-organismos-planta, aspectos nutricionais e biológicos importantes, boas práticas de aplicação, dentre outros fatores determinantes para garantir o sucesso da FBN.
Extração de N pela cultura da soja
A soja (Glycine max) é a principal cultura do agronegócio brasileiro e uma das mais importantes do mundo, sendo fundamental na alimentação humana e animal como fonte de proteína. Devido a expressividade da cultura, o melhoramento genético de plantas vem desenvolvendo diversas cultivares que estão sendo lançadas nos últimos anos, com potenciais produtivos cada vez mais elevados e com isso, requerem uma nutrição ainda mais robusta.
Dentre os nutrientes, o nitrogênio é o elemento requerido em maior quantidade pela cultura da soja. Conforme o estudo recente de Guidorizzi et al. (2023), para produtividades médias de 90 sc/ha são necessários cerca de 140 a 180 Kg de N (dependendo da cultivar) para produzir 1 tonelada de grãos da cultura.
Dessa forma, existem algumas fontes para o fornecimento desse nutriente, como a mineralização da matéria orgânica, a fixação não biológica (descargas elétricas, combustão e vulcanismo), fertilizantes e a fixação biológica do nitrogênio atmosférico (N₂).
O ar atmosférico é constituído por cerca de 80% de N₂ que também é difundido para os espaços porosos do solo. Entretanto, as plantas não são capazes de assimilar dessa forma, isso em virtude da forte ligação que há entre os átomos de N (ligação tripla).
Existe um grupo de bactérias, conhecidas como rizóbios, que possuem a capacidade romper essa forte ligação e assimilar o nitrogênio. Esse processo conhecido como Fixação Biológica do Nitrogênio (FBN) é o segundo processo mais importantes para a sobrevivência das espécies, ficando atrás apenas da fotossíntese.
Como ocorre o processo de fixação biológica do N₂?
A fixação biológica de nitrogênio é baseada em interações bioquímicas complexas, que envolvem diversos estágios para infecção e formação de nódulo. Esse processo pode ser realizado por grupos microbianos simbióticos, resultando na formação de nódulos por meio de uma simbiose mutualística (como Bradyrhizobium spp.), bem como por grupos não simbióticos, tais como micro-organismos associativos (Azospirillum spp.) e vida livre.
Para que o processo de simbiose ocorra, as raízes das plantas exsudam substâncias orgânicas que são responsáveis por atrair quimicamente os rizóbíos, estimulando as bactérias para o início do processo de infecção, ou seja, a penetração das bactérias nas raízes da soja. Com essa sinalização, ocorre a multiplicação das bactérias no solo (rizosfera da planta), onde entram diretamente em contato com os pelos radiculares e através desse processo, ocorre a adesão das bactérias nas raízes.
De forma resumida, podemos compreender o processo de formação do nódulo através das seguintes etapas:
- Liberação de flavonóides e compostos fenólicos (substâncias orgânicas) pelas raízes das plantas;
- Quimiotaxia do rizóbio em direção a superfície radicular;
- Aderência das bactérias às raízes, encurvamento do pelo radicular e formação da via de infecção;
- Crescimento do nódulo (múltipla infecção das células e formação de bacterióides);
- Crescimento do nódulo e início da FBN.
Processo de fixação biológica do N₂
Essas bactérias diazotróficas se associam simbioticamente as plantas (no caso da soja, pertencem ao gênero Bradyrhizobium spp.), e realizam a FBN através de um complexo enzimático, resumidamente chamada de nitrogenase. A enzima é capaz de quebrar a forte ligação do N₂ (ligação tripla) e reduzi-lo a amônia NH3. Esses rizóbios atuam formando estruturas especializadas (nódulos), onde ocorre o processo da FBN, em que a amônia é sintetizada e incorporada a íons de H+, ocorrendo a transformação em amônio NH4+, posteriormente distribuídos para as plantas.
O processo da FBN gera um elevado custo para as plantas (gasto energético). Nessa associação, a planta fornece energia na forma de carboidrato para a bactéria, que em troca, cede nitrogênio amoniacal, fixado a partir do N₂ atmosférico. Em virtude da presença da nitrogenase, essa reação complexa pode ocorrer em pressão atmosférica e temperatura ambiente, através do consumo de ATP (adenosina trifosfato), como demonstrado na equação a seguir:
Em resumo, para realizar esse processo, as bactérias fixadoras de nitrogênio requerem:
- N₂ como matéria-prima;
- Energia na forma de Adenosina-trifosfato (ATP), produzida por fosforilação oxidativa, onde há a necessidade da entrada de O₂ presente na atmosfera do solo para o interior do nódulo, resultado do produto da fotossíntese, desdobrado na presença de oxigênio (O2);
- Sistema enzimático na forma de nitrogenase para realizar a redução de N₂ a NH3;
- Sistema doador de elétrons para realizar a redução junto com o ATP;
- Um substrato receptor de amônia a ser posteriormente incorporada na planta.
Importantes aspectos da fenologia e nodulação
A eficiência do processo da FBN e a longevidade dos nódulos de soja estão diretamente relacionados à disponibilidade de nutrientes para as plantas. Manter uma fertilidade equilibrada do solo, com nutrientes como níquel (Ni), cobalto (Co), molibdênio (Mo), enxofre (S), fósforo (P) e magnésio (Mg) que são essenciais no processo, pode se tratar de uma estratégia eficaz para otimizar o crescimento e a produtividade da soja.
É relevante salientar que o cuidado e atenção aos ao longo de todo o processo da FBN é essencial para extrair o máximo da capacidade da soja de fixar o nitrogênio através das bactérias, contribuindo tanto para a sustentabilidade econômica do produtor, como para o aumento de produtividade. Dessa forma, a utilização de inoculantes de qualidade, da forma correta, bem como uma nutrição adequada da planta são primordiais para obtenção do sucesso na fixação biológica de nitrogênio e consequentemente para fornecimento de nitrogênio para a cultura.
Papel do cobalto, molibidênio e níquel na FBN:
Para a FBN, o Co é um componente vital requerido para sintetizar Vitamina B12 (cobalamina), necessária para a formação de leghemoglobina. Sua presença no interior dos nódulos radiculares de leguminosas é responsável pelo transporte e manutenção do nível de oxigênio em taxas que permitam, o processo respiratório do bacterióide e o funcionamento da nitrogenase, enzima esta, bastante sensível ao oxigênio (a nitrogenase é inativada pela presença de O₂).
Nos bacteriódes ocorrem indução dos genes NIF e FIX responsáveis pela síntese do complexo enzimático denominado nitrogenase, enzima que catalisa as reações de redução N₂ a NH3. Na planta, o Mo é principalmente usado para a produção de enzimas que regulam várias funções fisiológicas. Em espécies não leguminosas, a enzima que regula a conversão de nitrato para forma final de proteína é a nitrato redutase. Em leguminosas, outra enzima, a nitrogenase, é requerida pelas bactérias que formam nódulos nas raízes para a fixação de N. As leguminosas têm maior necessidade de Mo do que qualquer outra cultura.
Nas plantas, o níquel compõe o sítio ativo da metaloenzima urease, que é responsável pela hidrólise da ureia em duas moléculas de amônia e dióxido de carbono (CO₂), desempenhando um papel direto no metabolismo do N. O principal meio de transporte de nitrogênio da soja dos nódulos para a parte aérea é na forma de ureideos. Porém, quando aumenta-se a concentração de ureídeos na parte aérea das plantas, a FBN é significativamente diminuída, no fenômeno conhecido como “efeito feedback“. Neste contexto, uma vez nas folhas, os ureídeos podem ser convertidos, por meio da via de degradação de purinas, sendo então metabolizados pela urease.
Quando e como avaliar a nodulação?
O tempo requerido para a formação dos nódulos nas leguminosas e o início da atividade da nitrogenase pode ser variável, sofrendo alterações de acordo com a espécie leguminosa e сера. Dessa forma, existe alguns meios de avaliarmos a eficiência da fixação simbiótica do nitrogênio.
Essa avaliação pode ser realizada, levando-se em consideração o aspectos do nódulo, como:
- Forma: Arredondados, com superfície rugosa;
- Tamanho: Relativamente grandes, de 2 a 5 mm. Nódulos ≥ 2mm apresentam grande capacidade de nodulação;
- Coloração interna: Intensa, rósea- avermelhada (indica plena atividade do nódulo);
- Distribuição de nódulos no sistema radicular da planta: Presentes na coroa da raiz principal indicam eficiência doinoculante. Após o florescimento presenças de nódulos nas raízes secundárias, quase sempre resultada infecção de rizóbios que já estão estabelecidos no solo, por inoculações em anos anteriores, visto que os rizóbios se lentamente no solo;
- Número: 10 a 12 dias após emergência:
De 4 a 8 nódulos;
Florescimento (R1): De 15 a 30 nódulos.
Conceitos importantes
- Produtos Biológicos: Insumos agrícolas desenvolvidos a partir de um ingrediente ativo que seja natural, considerado ativo biológico. Com isso, alguns cuidados precisam ser tomados desde o posicionamento até sua aplicação no campo para que sua eficiência não seja afetada.
- Inoculação: Adição de micro-organismos benéficos às plantas. Esses micro- organismos trazem algumas vantagens às culturas como: aumento do crescimento, melhor desenvolvimento e melhora na absorção de nutrientes e sustentabilidade agricola.
- Coinoculação: Consiste na união de mais de um micro-organismo que contribui para diferentes processos microbianos, o que otimiza o crescimento das plantas.
Por que é necessário inocular a soja anualmente?
A soja, embora seja cultivada amplamente no país, não ocorre naturalmente no Brasil, tendo como centro de origem a China. Por esse fator, não existe rizóbio nativo dos nossos solos que tenha a capacidade de nodular a cultura da soja, uma vez que o processo simbiótico resulta de um processo de evolução de milhões de anos entre as bactérias e as plantas hospedeiras. Esse fator, justifica a inoculação obrigatória em áreas de primeiro cultivo.
Em áreas tradicionalmente cultivadas, a reinoculação é importante, tendo em vista que embora haja bactérias no solo, estas por sua vez, podem estar limitadas por diversos fatores, como fatores nutricionais e ambientais, estimando-se que no máximo 10% desses micro-organismos encontram-se ativos no solo, retardando o processo de FBN. Já em sementes inoculadas, que carregam dezenas de milhares de bactérias (ativas), a formação dos nódulos é imediata.
O uso de inoculantes apresenta algumas vantagens, como: melhoria da qualidade do solo; proporciona economia aos produtores, por dispensar o uso de adubos nitrogenados na cultura da soja; aumenta a produtividade da lavoura e não causa prejuízos ao meio ambiente.
Fatores que podem influenciar a FBN?
A tecnologia de aplicação é um conjunto de conhecimentos que ajuda o produtor a usar os inoculantes de forma correta, segura e responsável. Os produtos biológicos para inoculação e coinoculação podem ser aplicados via tratamento de sementes, via sulco de plantio e em alguns caso, via área total.
Além da tecnologia de aplicação, ou seja, a forma como o produto será aplicado, outros fatores como o genótipo das cultivares utilizadas, bem como as condições climáticas no momento da aplicação dos bioinsumos, podem ter influência nesse processo.
O controle de qualidade dos bioinsumos é fundamental para garantir a sua qualidade, segurança e eficácia. Portanto, deve-se atentar a cepa bacteriana e qual o tipo de formulação do inoculante (formulação líquida ou turfa), a depender do histórico da área para obter o maior sucesso no processo de inoculação/coinoculação.
Outros fatores que podem interferir na nodulação da soja são:
- Ambiente e operação da inoculação: Manuseio no tratamento de sementes, temperatura e umidade no momento da operação podem impactar o sucesso da nodulação.
- Tratamento químico das sementes: Determinados produtos químicos podem ter incompatibilidade no momento do tratamento de sementes.
- Fotossíntese: A funcionalidade do nódulo depende do suprimento de sustâncias orgânicas as bactérias pelas plantas, que são provenientes do processo fotossintético.
- Calagem: O solo deve estar livre de acidez elevada. A calagem atua na melhoria química do solo, elevando o pH, melhorando a fertilidade e aumentando a mineralização da matéria orgânica.
Unidades formadoras de colônias (UFC)
Conceito: Unidade de medida utilizada para estimar o número de fungos ou bactérias viáveis com capacidade de se multiplicar. Transformação: Para transformar os valores de UFC/L para UFC/mL, basta retirar 3 casas decimais do expoente;
Cálculo do número de células bacterianas por semente:
Recomendações indicam a utilização de uma quantidade mínima de células bacterianas para cada semente tratada:
- Recomenda-se para áreas onde já se cultiva soja, valor mínimo de 1.200.000 UFC/semente;
- No caso de áreas novas, sem histórico de cultivo de soja, recomenda-se o dobro desta dosagem: 2.400.000 UFC/semente.
No caso da soja inoculada com bactérias do gênero Bradyrhizobium, a concentração é essencial para promoção de uma melhor colonização radicular e rápida fixação biológica de nitrogênio, ou seja, de modo geral, uma maior concentração é sinônimo de melhor desempenho do inoculante (para FBN em questão). Dessa forma, quanto mais concentrados são os Inoculantes, mais rapidamente as raízes são colonizadas e isso acaba por proporcionar um melhor crescimento da planta e um maior aumento de rendimento quando aplicado às culturas.
Segundo a recomendação da Embrapa (2011), a concentração de células deve ser superior a 1,0 x 109 g-1 ou mL-1 e devem estar presentes no produto ao menos uma das quatro estirpes recomendadas (Semia 587, Semia 5019, Semia 5079 e Semia 5080).
Fatores importantes a serem observados:
- Antes do preparo da calda
Alguns fatores antes da aplicação são primordiais para o sucesso da inoculação/ coinoculação. Dentre esses fatores, deve-se sempre ler a bula e seguir a recomendação do fabricante, utilizar o produto recomendado de acordo com o alvo e nível populacional, utilizar tecnologia de aplicação correta (equipamentos e bicos adequados) e realizar regulagem dos equipamentos sempre que necessário. - Durante do preparo da calda
Deve-se realizar a limpeza dos equipamentos e verificar a compatibilidade, observando quais produtos podem ser misturados sem que haja incompatibilidade física ou química. Utilizar a dose recomendada, já que a super ou sub dosagem pode causar ineficiência ou efeito inverso ao esperado da ação do produto nas plantas.
- Após do preparo da calda
O tempo de aplicação após a mistura (ainda que os produtos sejam compatíveis), pode interferir na eficiência dos produtos. Como por exemplo, sementes inoculadas por mais 24 horas, é necessário reinoculação. Alguns micro-organismos são mais agressivos e em misturas por tempos prolongadas, podem competir pelo espaço e até causar a morte de outros micro-organismos. - Durante a aplicação:
Deve-se verificar se as condições climáticas estão adequadas para aplicação de acordo com o tipo de produto, tais como: temperatura 10 a 35 °C; umidade relativa do ar (UR) de 60% a 95% e velocidade média dia do vento < 10 mh/h).
Desafios para o sucesso da FBN na cultura da soja:
Alguns desafios devem ser vencidos para alcançar o sucesso da FBN. Um ponto de atenção é uma nutrição equilibrada, uma vez que uma planta em relação simbiótica com um rizóbio é mais exigente que uma planta onde o fornecimento de nitrogênio ocorre via adubação mineral.
Os efeitos deletérios da utilização de agrotóxicos devem ser observados com atenção, em relação a sobrevivência e performance dos rizóbios. Fato ainda mais limitante quando o contato da bactéria ocorre por períodos prolongados com os agrotóxicos, em inoculação antecipada. Além disso, outro desafio que deve ser levado em consideração são os estresses ambientais, como estresse hídrico, altas temperaturas e baixa umidade.