Interação, nutrição e sanidade na cultura do café

Interação nutrição e sanidade na cultura do café

July 1, 2021
11mins
Guilherme Amaral de Sousa
Brasil
Guilherme Amaral
Lucas Ávila

A cafeicultura nacional têm passado por diversas atualizações, desde formas de manejo até processos de pós-colheita. Esses fatos devem-se à incessante busca para redução de custos na lavoura, prezando sempre pela melhoria da produtividade e qualidade do produto final.
Os gastos com os processos relacionados à colheita são os mais onerosos na cadeia produtiva do café. Em seguida, aparecem as operações de adubação e controle de pragas e doenças representando 23 e 14% do custo operacional efetivo por saca, respectivamente (dados oriundos de 227 propriedades integrantes do projeto Educampo nas regiões do Cerrado, Matas e Sul de Minas).
Dessa forma, para que se obtenha êxito, o cafeicultor deve estar atento não apenas ao manejo do solo (correção e adubação), mas também ao controle químico de pragas e doenças. Vale ressaltar que as principais doenças do cafeeiro são: ferrugem, cercosporiose, mancha de Phoma e mancha aureolada. Essas doenças são responsáveis por perdas significativas de produtividade, intensa desfolha e raquitismo das plantas afetadas (Patrício & Oliveira, 2013; Barbosa Júnior et al., 2019). Além disso, podem influenciar na qualidade dos grãos e bebida (Pozza et al., 2010).

 

Afinal, como ocorrem as doenças em plantas de café?

Não apenas no cafeeiro, mas em todas as plantas, para que se ocorra uma determinada doença são necessários três fatores que compõem o “Triângulo da Doença”, onde o ambiente deve ser favorável à presença e sobrevivência do patógeno (agente causador) e o hospedeiro (planta) deve estar suscetível para que ocorra a infecção pelo patógeno.

O controle das doenças não significa erradicá-las da área mas manejá-las para que fiquem abaixo do nível de dano econômico (Patrício & Oliveira, 2013).
Sabe-se que a resistência de plantas a doenças é um mecanismo controlado geneticamente, porém, pode ser influenciada por alguns fatores, dentre eles, a nutrição mineral de plantas. As adubações podem alterar as características do sistema solo, planta e organismo fitopatológico, aumentando ou reduzindo a severidade das infecções (Garcia Júnior, 2002; Belan et al., 2015; Patrício & Oliveira, 2013). Assim, plantas bem nutridas tendem a ser mais vigorosas e resistentes a infecções.

Figura 1. Triângulo da doença. Adaptação: Guilherme Souza (2019)

Quais as estratégias das plantas contra o ataque de patógenos?

Ao longo do processo evolutivo as plantas conseguiram desenvolver algumas estratégias contra os ataques de pragas e doenças. Os mecanismos de defesa são diversos e variam de acordo com a espécie e ambiente.
As principais estratégias desenvolvidas são:
a) Barreiras físicas, por exemplo: ceras, cutina, suberina e lignina que formam barreiras que dificultam a penetração dos patógenos;
b) Metabólitos secundários, por exemplo: terpenos, fenóis, fitoalexinas e compostos nitrogenados que são compostos químicos produzidos pelas plantas que podem atuar como mecanismos de resistência.

Figura 2. Esquema simplificado de rotas de síntese de metabólitos secundários e suas inter-relações com o metabolismo primário (Yamada, 2004).

 

De forma geral, o conhecimento das rotas metabólicas que compõem o metabolismo secundário é fundamental para o entendimento das práticas agronômicas que podem auxiliar no manejo de pragas e doenças. Vale ressaltar que alguns compostos produzidos são considerados tóxicos até mesmo para as plantas que os produzem (Yamada, 2004). Sendo assim, para evitar danos às plantas, esses metabólitos são armazenados em compartimentos celulares isolados como vacúolos, canais resiníferos, tricomas, dentre outros. Posteriormente ao ataque dos patógenos é que essas toxinas começam a agir e ficam ativas apenas no local do dano, ou seja, afetando minimamente o metabolismo primário das plantas atacadas (Taiz
et al., 2017).

 

Como a nutrição mineral se relaciona com a sanidade de plantas?

Cada nutriente apresenta uma função dentro do metabolismo e fisiologia de plantas
(Tabela 1), portanto, nas recomendações deve-se sempre priorizar o equilíbrio entre os elementos. Por outro lado, há uma linha tênue entre a deficiência e a toxidez que determina o balanço nutricional adequado.
De forma geral, plantas bem nutridas tendem ser mais vigorosas, produtivas e tolerantes à estresses do que plantas em desequilíbrio nutricional.

Após a aplicação dos fertilizantes, seja via solo ou foliar, acontece a absorção dos elementos. Logo, os nutrientes são direcionados para a composição do metabolismo primário, ou seja, para o crescimento e desenvolvimento das plantas. Nessa etapa ocorre a formação de aminoácidos, proteínas, membranas celulares, dentre outros (Huber et al., 2012; Pozza & Pozza, 2012).
Parte dos nutrientes atua no metabolismo secundário (rota do ácido chiquímico e ácido malônico), responsáveis pela defesa vegetal (Taiz et al., 2017). Vale lembrar que esses mecanismos de defesas são efetivos contra patógenos e também contra herbívoros (Amtmann et al., 2008; Huber et al., 2012; Taiz et al., 2017).

 

Tabela 1. Funções dos nutrientes e formas de absorção pelas plantas.

NutrientePrincipal forma absorvidaFunções principais
Nitrogênio (N)NO3- / NH4+Constituição de aminoácidos; proteínas; ácidos nucléicos.
Fósforo (P)H2PO4- / HPO4-Composição de ácidos
nucléicos; formação de ATP;
fosfolipídios.
Potássio (K)K+Ativação enzimática; equilíbrio iônico e hídrico; controle
estomático.
Cálcio (Ca)Ca2+Constituição de membranas; parede celular; sinalizador enzimático.
Magnésio (Mg)Mg2+Constituição da clorofila; ativador enzimático;
fotossíntese; respiração;
síntese de DNA e RNA;
estabilidade de ribossomos.
Enxofre (S)SO42-Constituição de proteínas; aminoácidos; coenzimas.
Boro (B)H3BO3Estabilidade de membranas; elongação celular; transporte de açúcares; síntese de ácidos nucléicos; germinação grão de pólen e crescimento do tubo polínico.
Cloro (Cl)Cl-Evolução de H2O no FSII; equilíbrio iônico; ATPase de membranas.
Cobre (Cu)Cu2+Enzimas do sistema
antioxidante; fotossíntese; respiração; esterilidade grão de pólen.
Ferro (Fe)Fe2+Ativação enzimática;
fotossíntese; respiração; síntese de clorofila; nitrato redutase.
Níquel (Ni)Ni2+Ativador enzimático; urease; hidrogenase.
Manganês (Mn)Mn2+Fotossíntese; enzimas
fosforilativas e do sistema
antioxidante; síntese de RNA.
Molibdênio (Mo)MoO42-Fixação biológica de
nitrogênio; redutase do
nitrato; nitrogenase; enzimas sistema antioxidante (estresse térmico).
Zinco (Zn)Zn2+Síntese de auxina; síntese
proteica; ativação de enzimas do sistema antioxidante; biossíntese da clorofila.

 

Adaptado de Marschner (1995); Malavolta (2006); Taiz et al. (2017).

 

Por se tratar de uma temática relativamente nova, muito se tem avançado nos últimos anos, refletindo de forma significativa no aumento de trabalhos na cultura do café (Pozza et al. 2001; Garcia Júnior, 2002; Carvalho et al., 2008; Lima, 2009; Catarino et al., 2016; Chaves et al., 2018; Silva Júnior et al., 2018, Pérez et al., 2019).
Na Tabela 2 é possível verificar como algumas doenças do cafeeiro se comportam perante os nutrientes. Entretanto, nesse boletim, vamos nos ater nos mecanismos de aclimatação da planta para suportar/tolerar o ataque de patógenos.

 

Tabela 2. Comportamento das principais doenças do cafeeiro em função dos nutrientes

DoençaIncidência da DoençaNutrientesFontes
FerrugemAumenta↑ N; ↑ K; ↓ Ca; ↑ ZnPozza et al. (2001); Garcia Júnior, (2002); Santos et al. (2008); Carvalho et al. (2008); Lima (2009); Pérez et al. (2017); Chaves et al. (2018); Vasco et al. (2018); Pérez et al. (2019)
Diminui↓ K; ↓ B
CercosporioseAumenta↑ P ; ↓ Ca; ↑ Zn
Diminui↑ N; ↑ P ; ↑ K
Mancha de PhomaAumenta↑ N ; ↓ Ca; ↓ S; ↓ B; ↓ K; ↑ Zn
Diminui↑ K
Mancha
Aureolada
Aumenta↑ N
Diminui↑ K

 

No cafeeiro é comum a aplicação de altas doses de N e K e muitas vezes ocorre o desequilíbrio nutricional. Ao se aplicar altas doses de N, o fluxo metabólico do ciclo de Krebs é maior, de forma a direcionar a assimilação do N em compostos primários/aminoácidos. Dessa forma, o metabolismo secundário é comprometido e ocorre a diminuição da atividade na rota do ácido chiquímico, ou seja, redução na formação de fenóis, ligninas, taninos, dentre outros (Yamada, 2004; Taiz et al., 2017). Deste modo, as plantas ficam mais suscetíveis ao ataque de pragas e doenças, pois a formação de compostos de defesa fica deficitária.
As relações entre o P nutricional e doenças são antagônicas, enquanto alguns trabalhos mostram a redução de doenças com o aumento dos teores de P, em outros isso não acontece. Em extensa revisão sobre o efeito da nutrição e o desenvolvimento de doenças, Walters e Bingham (2007) sugerem que esses efeitos negativos são devido ao sequestro de Ca no apoplasto pelo P, alterando a atividade de enzimas como a poligalacturose. Assim, ocorre a alteração das membranas celulares que ficam mais suscetíveis ao ataque de fungos. Por outro lado, quando ocorre a utilização de P-fosfito há uma intensa correlação com o aumento de compostos de defesa melhorando a sanidade de plantas de café (Nojosa et al., 2009; Silva Júnior et al., 2018).
Dentre os elementos, K é o que apresenta os resultados mais consitentes quando se fala em redução de incidência de pragas e doenças. Belan et al. (2015) utilizando técnicas de microanálises de raio-X para analisar a distribuição de nutrientes no tecido de folhas de café infectadas com mancha aureolada, mancha de Phoma, cercosporiose e ferrugem verificaram que o gradiente de concentração de K eram maiores em torno dos tecidos assintomáticos das lesões e diminuiam no interior das lesões. Por outro lado, segundo os autores, os teores deCa eram maiores nas bordas das lesões, ou seja, nos tecidos já necrosados, diminuindo nos tecidos assintomáticos.

Figura 3. Microanálises de Raios-X para mapeamento de K e Ca em tecidos de cafeeiro com lesões de doenças foliares: Mancha aureolada, mancha de Phoma, cercosporiose, ferrugem e mancha manteigosa (traduzido e adaptado de Belan et al., 2015b).

Tanto K quanto o Ca podem acumular nos vasos condutores (xilema e floema) e no córtex das plantas e inibir o crescimento e penetração de patógenos por meio de uma barreira físico-química, mantendo assim a integridade das membranas (Amtmann et al., 2008; Sugimoto et al., 2010).
O Ca também pode inibir a atividade da enzima poligalacturonase, enzima que é a responsável por dissolver a lamela média em caso de ataque de alguns fungos e bactérias (Hawkesford et al., 2012).
Já o Mg está ligado diretamente a síntese de compostos fenólicos e lignina (Hawkesford et al., 2012). Além disso, ele ativa enzimas como a peroxidase (POX) que combatem as espécies reativas de oxigênio (ROS) produzidas a partir do processo de infecção (Moreira et al., 2013).
Sabe-se que o S apresenta características como defensivo agrícola, tanto que foi utilizado como fungicida por vários anos. Nas rotas do metabolismo secundário, principalmente na forma elementar (S0), o S pode elevar a produção de fitoalexinas, que é um composto orgânico muito eficiente para a tolerância de plantas a patógenos (Walters & Bingham, 2007; Belan et al., 2015). Isso ocorre porque há alteração no metabolismo de produção de glicosinolatos (Walters & Bingham, 2007). Outro ponto que merece destaque é que fungos necrotróficos, como as ferrugens, necessitam de teores mais elevados de S para se reproduzirem (Walters & Bingham, 2007).
Os micronutrientes atuam, principalmente, como catalizadores em reações bioquímicas, ativação enzimática, síntese de compostos como fenóis, fitoalexinas, lignina, dentre outros (Broadley et al., 2012; Taiz et al., 2017).
O B, ao lado do Ca, é responsável por manter a integridade da membrana plasmática (Vasco et al., 2018). Por outro lado, dentro da resistência de plantas ao ataque de patógenos, ele exerce papel fundamental na rota de compostos fenólicos (Broadley et al., 2012).
Dentre os micronutrientes, o Cu é amplamente utilizado, graças ao seu efeito fungistático e bacteriostático. Na planta, o Cu atua na formação de lignina, composição de melaninas, fitoalexinas, quinonas e outros compostos fenólicos que tem efeito na inibição e desenvolvimento de patógenos. Além disso, o Cu compõe enzimas do sistema antioxidante, como a superóxido desmutase (SOD) que é responsável por eliminar os íons peróxidos formados após a extrusão das células por microrganismos (Broadley et al., 2012; Taiz et al., 2017).
O Mn é um dos principais nutrientes que conferem resistência a patógenos em plantas. Isso porque ele está diretamente ligado aos processos de formação da lignina e parede celular, dessa forma dificulta a penetração por microrganismos. Ao mesmo tempo, atua em enzimas do sistema antioxidante que combatem os radicais livres e amenizam danos causados por patógenos (Yamada, 2004; Broadley et al., 2012; Taiz et al., 2017).
O Zn, assim como Cu e Mn, tem grande papel nas enzimas do sistema antioxidante, além disso, pode se ligar a compostos sulfurados e fosfatados garantindo a integridade das membranas (Yamada, 2004). Dessa forma, diminui o extravazamento do suco celular e limita a lixiviação de K (Neves et al., 2011). No metabolismo de defesa de plantas, o Zn também atua na síntese de fitoalexinas (Yamada, 2004).

Figura 4. Papel dos micronutrientes na rota do ácido chiquímico e síntese de compostos orgânicos relacionados com a defesa vegetal (Yamada, 2004).

 

Diante de todos os fatos apresentados verifica-se que o mecanismo de interação entre nutrição e doenças é bastante complexo e exige muito do ambiente, desde fatores de manejo até a correta aplicação de defensivos agrícolas. A ICL apresenta soluções para nutrição que auxiliam no status e equilíbrio nutricional de sua lavoura. Por fim, é válido a lembrança popular: “é melhor investir no supermercado do que na farmácia”.