Granação: O caminho das folhas até os frutos

Granação: O caminho das folhas até os frutos.

September 1, 2021
15mins
Lucas de Ávila Silva
Brasil

Introdução

O ciclo do cafeeiro arábica adulto é dividido em seis fases fenológicas, dentre elas, a granação.

A granação normalmente ocorre de janeiro a março e compreende a fase onde os líquidos internos dos frutos solidificam-se (Camargo & Camargo, 2001), ocorrendo o preenchimento do endosperma e a formação dos grãos (popularmente conhecido como “enchimento de grãos”).
Apesar dos frutos serem verdes, possuírem estômatos e representar de 20 a 30% da superfície fotossintética total (Cannell, 1985), eles não produzem açúcares suficientes para seu crescimento e desenvolvimento, ou seja, são órgãos drenos (importadores).

Estima-se que os frutos produzem em torno de 30% de suas demandas diárias (para respiração) e contribuem com cerca de 12% de suas necessidades totais de carbono no estágio de enchimento do endosperma (Vaast et al., 2005). Assim, como os frutos são os drenos preferenciais de fotossintatos durante o período reprodutivo (Rena & Maestri, 1985), eles dependem do suprimento de açúcares, aminoácidos e alguns nutrientes pelas folhas fontes (folhas maduras e exportadoras).

As folhas maduras são órgãos especializados na realização da fotossíntese e até 80% do carbono fixado nesse processo pode ser exportado por elas (Lemoine et al., 2013). No entanto, as folhas e os frutos são interconectados pelo floema. Desse modo, o fluxo de açúcares, aminoácidos e nutrientes das folhas fontes para os frutos é dependente do processo de carregamento, translocação e descarregamento do floema, influenciando diretamente o componente de produtividade ‘peso de grãos por fruto’.

No cafeeiro, a sacarose é o principal açúcar translocado no floema (Franck et al., 2006; Geromel et al., 2008).
A sacarose é produto da fotossíntese, como ilustrado na Figura 01. Além disso, glutamina, glutamato, aspartato e asparagina são os aminoácidos mais translocados em geral (Tegeder & Rentsch, 2010). Também há translocação de alguns nutrientes no floema que, de acordo com suas funções fisiológicas, são classificados como: móveis (nitrogênio, fósforo, potássio e magnésio), moderadamente móveis (enxofre, cloro, molibdênio e zinco), pouco móveis (cobre, ferro e manganês) e quase imóveis (cálcio e boro).

Carregamento do floema*

* texto adaptado de Lemoine et al. (2013)
A partir da fotossíntese os açúcares podem ser armazenados no vacúolo, convertidos em amido ou sacarose (Figura 2). A parcela convertida em sacarose passa de célula a célula através de canais responsáveis pela conexão entre células vizinhas (plasmodesmos) até chegar nas células do parênquima do floema.
Importante: Diferentemente do xilema, o floema é um tecido vascular composto por células vivas, chamadas elementos de tubo crivado. No entanto, os elementos de tubo crivado não possuem núcleo e dependem de uma célula companheira para manterem-se vivos.

Figura 1. Esquema resumido da interação entre fotossíntese, carregamento e descarregamento do floema.

1) A luz azul e vermelha são absorvidas pelas clorofilas a e b e permitem a ocorrência da cadeia transportadora de elétrons nos cloroplastos, oxidando H2O e produzindo O2, ATP e NADPH. 2) Devido ao potencial hídrico adequado ocorre a transpiração e trocas gasosas através dos estômatos abertos, onde há saída dos gases H2O e O2 além da entrada de CO2. 3) A partir da disponibilidade de CO2, ATP e NADPH são sintetizados trioses (açúcares com 3 carbonos) como resultado do ciclo de Calvin (nos cloroplastos). As trioses se ligam para a formação de sacarose (açúcar com 12 carbonos). 4) A sacarose é o principal açúcar carregado no floema, gerando alta diferença de concentração entre a fonte e o dreno. 5) A sacarose é transportada no floema de forma pressurizada até o dreno, onde ocorre o descarregamento do floema. Nessa etapa a sacarose pode ser quebrada enzimaticamente em hexoses (glicose + frutose), há absorção, a fonte de carbono pode ser armazenada ou respirada para promover o crescimento e desenvolvimento do fruto.

A sacarose é então transportada para fora da célula do parênquima do floema através de transportadores. Assim, a sacarose fica no ‘espaço extracelular’ entre as células do parênquima do floema e as células companheiras (apoplasto). Após, a sacarose é absorvida e acumulada na célula companheira por um transportador simporte (H+ / sacarose).

A energia necessária para o transporte é fornecida por bombas de H+ que, a partir da quebra do ATP, formam um gradiente de H+ e estabelecem uma diferença de potencial eletroquímico transmembrana. Por fim, plasmodesmos permitem a passagem da sacarose das células companheiras para os elementos de tudo crivado (Figura 2).

Um esquema semelhante ocorre também com o carregamento dos aminoácidos (ver mais em Tegeder, 2014).

 

Translocação no floema

A translocação de materiais no floema é explicada pela teoria do fluxo de massa, proposta pelo pesquisador alemão Ernst Münch em 1930. Esta teoria considera que os movimentos se devem à existência de um gradiente de concentração de sacarose (ou outro açúcar), estabelecidas entre um órgão fonte e um órgão dreno. O acúmulo de sacarose nas células de elemento de tubo crivado pemitem a passagem da água do xilema (maior potencial hídrico) para o floema (menor potencial hídrico). No geral, estima-se que a concentração de sacarose no floema esteja em torno de 12 a 120 mg mL-1 de volume de floema (Kerbauy, 2004). Assim, uma alta pressão hidrostática é gerada nos elementos de tubo crivado (Figura 3). Os valores das taxas de transferência de massa podem variar entre 1 e 15 g h-1 cm-2 de elementos crivados (Taiz et al., 2017). Apesar da sacarose ser o principal agente na formação do gradiente osmótico ao longo do floema, o acúmulo de K+ no floema pode contribuir com esse processo (Pimentel, 1998).

 

Figura 2. Carregamento do floema. Sacarose é produzida como resultado da fotossíntese em células do mesofilo, após se movem via plasmodesmos para as células do parênquima do floema. Transportadores carreiam a sacarose para o apoplasto. H+ é bombeado para o apoplasto a partir de bombas de H+ presentes na membrana de células companheiras. Esse processo necessita de energia fornecida por ATP, numa reação intermediada por Mg.
A sacarose entra na célula companheira através de um transportador simporte H+ / sacarose. Os transportadores dependem da diferença de potencial eletroquímico de H+ entre o lado externo e interno da membrana das células companheiras. Canais de K+ são capazes de regular essa diferença de potencial. A sacarose se movimenta através de plasmodesmos das células companheiras para os elementos de tubo crivado, elevando a concentração de sacarose nessas células. A alta concentração de sacarose no floema (menor potencial hídrico) atrai a água do xilema (maior potencial hídrico), essa entrada da água gera uma pressão hidrostática no floema e permite a movimentação de sacarose, aminoácidos e nutrientes do meio mais concentrado (próximo a fonte) para o menos concentrado (próximo ao dreno).

Figura 3. Visualização da exsudação da seiva do floema em abóbora (ilustração da pressão hidrostática). É possível verificar a exsudação da seiva do floema em plantas de abóbora ao fazer um corte no pecíolo. A aboboreira possui um sistema de carregamento do floema diferente do proposto para o cafeeiro, porém, também possui o mesmo princípio de translocação: a diferença de gradiente de açúcar e pressão hidrostática. Na aboboreira o principal açúcar encontrado no floema é a estaquiose carregado via simplasto. Para saber mais sugire-se o trabalho de Zhang et al. (2012). Foto: Lucas de Ávila Silva.

 

EtapaDescrição
1FotossínteseOs fotossintatos são sintetizados através da fotossíntese nas folhas
2Síntese de açúcares
de translocação
O fotossintato é convertido em açúcar de translocação (sacarose)
3CarregamentoA sacarose é transportada ao floema por transportadores
4TranslocaçãoA sacarose flui de acordo com a concentração (da alta para baixa concentração de açúcar), de acordo com a teoria do fluxo de pressão
5DescarregamentoA sacarose translocada até o fruto é descarregada a partir do floema
6Transporte da membranaA sacarose descarregada é absorvida pelas células através de transportadores na membrana plasmática (ou convertida em hexoses para absorção)
7Conversão metabólicaA sacarose descarregada nos frutos é convertida em demais metabólitos e parte metabolizada para promover o crescimento
8CompartimentalizaçãoOs açúcares nas células podem ser compartimentados nos vacúolos ou armazenados como amido em amiloplastos

 

Transporte de açúcares e seu papel na produtividade e qualidade do café

 

Muito se discute no campo sobre a importância da granação para melhorar o componente de produtividade ‘peso de grãos por fruto’. Entretanto, além de enchimento, é importante lembrar que os açúcares juntamente com os aminoácidos e nutrientes importados das folhas pelos frutos via floema também são a matéria prima para os todos os componentes relacionados a qualidade. As melhores bebidas vêm de frutos com maiores teores de sólidos solúveis totais (Amorim, 1972).

A sacarose é um dos compostos do grão de café cru que tem sido considerado um precursori mportante do sabor e aroma do café, formando anidro-açúcares e glioxal durante a torrefação, por exemplo (De Maria et al., 2014). Esses metabólitos são capazes de reagir com aminoácidos e formar compostos voláteis e não-voláteis essenciais para o sabor do café (Grosch, 2001; Homma, 2001). O conteúdo de sacarose nos grãos verdes de café arábica podem variar de 3,8% a 11,1% da matéria seca (Ky et al., 2001; Campa et al., 2004), sendo, portanto, determinante direta- e indiretamente da qualidade de bebida.

Granação: perspectivas em relação a genética e nutrição do cafeeiro

A capacidade do dreno de mobilizar fotossintatos (intensidade do dreno) depende de dois fatores: biomassa total do dreno (tamanho do dreno) e a taxa de absorção de fotossintatos por unidade de biomassa do dreno (atividade do dreno) (Taiz et al., 2017). Sabe-se que o fruto é o dreno preferencial do cafeeiro, no entanto, esforços genéticos e nutricionais podem melhorar a produtividade e qualidade final dos frutos.

Um exemplo de sucesso é o aumento do grau Brix do tomate, onde pesquisadores conseguiram identificar um gene relacionado a atividade da enzima invertase no apoplasto (descarregamento do floema) a fim de aumentar a concentração de açúcares do tomate, melhorando sua qualidade (melhor descrito em Omena-Garcia et al., 2019).

Em relação a nutrição vegetal, acima foram abordados o papel protagonista de K e Mg na granação. Além desses, é importante realçar o papel do N e P (Figura 4). A deficiência de N e P leva à redução da fotossíntese, acúmulo de carboidratos nas folhas fonte, aumento da alocação de carbono nas raízes e maior relação raiz / parte aérea (Lemoine et al., 2013), portanto, privilegiando o dreno ‘sistema radicular’. Além disso, a dose de N que permite maior produtividade é aquela relacionada com o suprimento equilibrado de sacarose entre o dreno vegetativo e reprodutivo, sendo que o excedente de N pode favorecer o dreno vegetativo (formação de folhas / ramificações jovens) (de Ávila Silva et al., 2019). A deficiência de Ca também pode levar a menor translocação de açúcares no floema (Gossett et al., 1977).

Figura 4. Padrão de acúmulo de açúcares e partição parte aérea / raiz. A deficiência de K e Mg leva ao acúmulo de sacarose (açúcar solúvel) nas folhas fonte, com menor exportação de sacarose para os drenos. Nesse caso, normalmente a parte aérea fica proporcionalmente maior do que o sistema radicular. Já a deficiência de N e P leva ao acúmulo de amido (açúcar insolúvel), mantendo a exportação de sacarose para os drenos. Nesse caso, normalmente a parte aérea fica proporcionalmente menor do que o sistema radicular. Apesar de alterarem a translocação do floema, não é comum verificar alterações na relação parte aérea / raiz com a deficiência de Ca, Zn e B.

 

Dentre os micronutrientes, aparentemente Zn e B são os mais relacionados com alterações fonte e dreno. Em plantas deficientes em Zn, o crescimento e a atividade do meristema apical (dreno vegetativo) decresce fortemente (Cakmak et al., 1989), além disso, carboidratos se acumulam nas folhas fonte (Marchner & Cakmak, 1989). Já em plantas deficientes em B, a translocação diminui drasticamente, em algumas espécies esse efeito pode estar relacionado com a deposição de calose nas placas crivadas, porém, em outras não (Van de Venter & Currier, 1977).

Portanto, a granação do cafeeiro é uma etapa fundamental para a produtividade e qualidade da bebida. A seleção de traços fisiológicos em programas de melhoramento relacionados a descarregamento de açúcares no fruto podem aprimorar sua qualidade. Ao mesmo tempo, a nutrição mineral do cafeeiro pode interferir no processo de granação, onde os nutrientes K, Mg, N, P, Ca, Zn e B atuam de forma direta. Há uma grande expectativa que pesquisas futuras possam melhorar nosso entendimento e melhorar o processo de granação do cafeeiro.

Por fim, é importante ressaltar que ainda há acúmulo de massa no fruto após o período de granação (Figura 5).

 

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