Boro para aplicação via solo
Boro: Dinâmica e fontes para aplicação via solo
Introdução
A agricultura brasileira passa por um momento onde a lucratividade associada a sustentabilidade, eficiência no uso de fertilizantes e a produtividade são os principais componentes do processo produtivo (Abreu et al., 2007).
Diante desse contexto, os micronutrientes, em especial o boro (B), adquiriram grande destaque na agricultura para obtenção de altas produtividades. Não obstante, o B é considerado por diversos pesquisadores como o micronutriente que mais tem limitado os ganhos em produtividade na agricultura nacional. Acredita-se que cerca de 60% dos solos de cerrado sejam deficientes em B (Lopes et al., 2012).
O B é encontrado na solução do solo, principalmente, na forma de ácido bórico (H3BO3), sendo essa a forma predominante na faixa de pH adequada para as culturas e na qual é absorvido pelas raízes das plantas. No entanto, a disponibilidade deste micronutriente pode ser influenciada por fatores como pH, matéria orgânica, textura, umidade, dentre outros (Yamada, 2000; Fageria et al., 2009). Nos solos do Brasil, em especial os que apresentam textura arenosa e baixos teores de matéria orgânica, a carência deste elemento é ainda mais acentuada (Malavolta, 2006; Embrapa, 1999).
Além da baixa disponibilidade de B, vale ressaltar que a faixa de teores deste elemento entre a deficiência e a toxicidade é estreita (0,3-0,6 mg.dm-3). Sendo que, na maioria dos solos brasileiros, a matéria orgânica é a principal fonte de B para as plantas (Faquin, 2005). As recomendações de adubação em solos deficientes em B, sugerem maiores doses deste elemento em solos que receberam calagem ou com altos teores de argila e matéria orgânica. Isso ocorre devido aos processos de adsorção do B que ocorrem com os colóides do solo (Alleoni, 1996).
A absorção iônica é influenciada pelas características do sistema solo-planta, por exemplo, ocorre uma seletividade na absorção dos nutrientes onde uns apresentam maior preferência na absorção; o acúmulo dos nutrientes são mais concentrados no sulco celular que no meio externo e o genótipo das plantas respondem de forma diferentes às absorções e concentrações dos elementos (Malavolta, 2006; Taiz & Zeiger, 2014).
Para que o nutriente seja absorvido é necessário que exista o contato entre o íon e a raiz, para o B, esse mecanismo é realizado pelo fluxo de massa (97%) que tem como características o transporte a longas distâncias. De forma resumida, fluxo de massa é o movimento do íon em uma fase aquosa móvel (solução do solo) respeitando um gradiente de tensão da água.
Ou seja, os nutrientes são dissolvidos e carregados pela água até chegarem à superfície das raízes. Uma implicação prática desse mecanismo é a aplicação de B ser feita a lanço, distante das raízes ou em cobertura (Malavolta, 1997; Faquin, 2005; Malavolta 2006). O transporte via xilema é unidirecional, via corrente transpiratória das raízes para parte aérea e no floema o B é praticamente imóvel. Por isso, a deficiência deste elemento frequentementeaparece em órgãos mais novos (Broadley et al., 2012).
Atualmente, o Brasil é visto como o celeiro do mundo, não apenas por apresentar um elevado potencial de produção das mais diversas culturas, mas também por ainda se ter uma grande área a ser explorada de forma sustentável. Entretanto, para suportar o constante crescimento aportes de nutrientes serão necessários e deve-se, cada vez mais, atentar-se às questões dos micronutrientes, em especial o B.
Dinâmica do boro no sistema solo-planta
O B é um elemento encontrado na forma aniônica no solo em associação com o oxigênio. Embora seja encontrado em alguns minerais silicatados insolúveis como turmalina, as principais formas de boro presentes no solo são o borato de sódio e borato de cálcio Dentre estes minerais pode-se citar o bórax (Na2B4O7.10H2O), colemanita (Ca2B6O11.5H2O), ulexita (NaCaB5O9.8H2O) e kernita (Na2B4O6.3H2O). A distribuição de B na crosta terrestre é diferente dos outros micronutrientes por sua predominância em rochas sedimentares e os teores de B no solo encontram-se, em média, entre 7 e 80 mg.dm-3. Na forma de ácido bórico, o teor médio de B encontra-se próximo a 10 mg.dm-3 (Abreu et al., 2007; Kabata-Pendias, 2011).
No solo, a adsorção pode ocorrer por cinco mecanismos:
a) adsorção do íon borato à argilas;
b) adsorção de ácido bórico;
c) formação de complexos orgânicos;
d) precipitação de boratos insolúveis com alumínio e sílica;
e) entrada do B nas grades cristalinas dos minerais de argila
(Hatcher et al., 1967; Yamada, 2000; Kabata-Pendias, 2011).
Vale ressaltar que essa adsorção de B limita a disponibilidade desse nutriente, conforme imagem abaixo:
Figura 1. Formas e disponibilidade de B nos solos (Adaptado: Goldberg, 1997).
A curva de disponibilidade de B no solo é variável e encontra-se na faixa ideal para as culturas entre pH 5 e 7, diminuindo acima e abaixo desses valores (Abreu et al., 2007). Nessas condições, o B se mantem na forma não dissociada (H3BO3) que é a forma na qual a planta absorve este nutriente (Hu & Brown 1997; Power & Woods 1997).
Por outro lado, a adsorção de B pelos óxidos de ferro e alumínio é maior entre pH de 6 a 9 (Saltali et al., 2005; Abreu et al., 2007). Adicionalmente, em solos que receberam calagem ou onde os solos apresentam pH mais elevado o B pode se ligar ao carbonato, se precipitar na forma de borato de cálcio, ou ser adsorvidos ao carbonato de cálcio se tornando momentaneamente indisponível às plantas (Alleoni & Camargo, 2000; Rosolem & Bíscaro, 2007). Segundo os autores, no ano da calagem esse déficit é mais relevante e volta a se estabilizar nos anos seguintes. Esse fato é de extrema importância para o manejo de B nos solos brasileiros, uma vez que são ricos em caulinita (hidróxidos de alumínio) e óxidos de ferro, possuem baixa saturação de bases e são necessárias altas doses de calcário para correção. Nesse contexto, vale ressaltar que em áreas sob sistema de plantio direto é comum encontrar um pH elevado nas camadas superiores 0-10cm, outro fato que pode contribuir para essa baixa disponibilidade de B.
A matéria orgânica do solo concentra a maior parte de B que irá suprir a demanda da planta. Porém, o B somente será liberado para a solução do solo após a mineralização desta matéria orgânica e pode seguir diversos caminhos, conforme mostrado na figura 2. Vale lembrar que, condições de solo que favorecem a decomposição da matéria orgânica, tais como: altas temperaturas, umidade do solo, alta atividade microbiana e aeração do solo são primordiais para os incrementos de B disponíveis às plantas (Abreu et al., 2007).
A disponibilidade de B é diretamente afetada pelo teor de água no solo e torna-se um fator limitante em condições secas onde o fluxo de massa para as raízes é reduzido (Broadley et al., 2012). Como dito anteriormente, nessas condições acontece uma diminuição da mineralização da matéria orgânica do solo reduzindo a disponibilidade de B (Abreu et al., 2007). Como consequência, ocorre uma redução do sistema radicular das plantas, um menor volume de solo explorado e podem aparecer sintomas de deficiência que, muitas vezes, desaparecem com a umidade adequada do solo (Abreu et al., 2007; Broadley et al., 2012).
Por outro lado, em condições de altas precipitações as perdas de B por lixiviação reduzem a disponibilidade, principalmente em solos mais arenosos. A literatura mostra que a lixiviação de B é maior em solos sem calagem quando comparados a solos que receberam calcário (Communar & Keren, 2007) e que a lixiviação apresenta uma maior relação com a dose aplicada e com os teores deste nutriente no solo (Rosolem & Bíscaro, 2007).
Nas plantas, o B é, provavelmente, absorvido pelas raízes das plantas na forma de ácido bórico não dissociado (H3BO3), a principal forma solúvel no solo. Contudo, muito se discute se é absorvido por processo passivo ou ativo. O transporte é via corrente transpiratória, ou seja, das raízes para a parte aérea e, no floema, o B é praticamente imóvel. Por isso, os sintomas de deficiência aparecem nos tecidos jovens e pontos de crescimento (Faquin, 2005; Malavolta, 2006; Broadley et al., 2012).
O B é o único elemento que não atende ao critério de essencialidade nas plantas, porém satisfaz ao critério indireto (Faquin, 2005). Dentre as principais funções do B nas plantas pode-se citar: estabilidade da membrana plasmática, metabolismo de ácidos nucléicos e açúcares, regulação de auxina e diferenciação de tecidos, elongação de raiz, compostos fenólicos, fixação biológica de nitrogênio, crescimento do tubo polínico, dentre outras (Gupta, 2006; Malavolta, 2006; Jehangir et al., 2017).
Dentre as deficiências de micronutrientes, a de B é mais conhecida em todo mundo, pois plantas cultivadas em solos com baixa disponibilidade deste nutriente apresentam reduções significativas em produtividades de soja (Gomes et al., 2017; Longkumer et al., 2017), milho (Lordkaew et al., 2011; Wasaya et al., 2017), arroz (Rehman et al., 2014; Rehman et al., 2018), algodão (Ahmed et al., 2013; Wahid et al., 2020) trigo (Nadeem et al., 2019).
Pela sua baixa translocação no floema, os sintomas de deficiência aparecem em tecidos novos e meristemas apicais. Ocorre redução no porte da planta, deformação nas folhas e até morte da gema terminal (figura 3) (Broadley et al., 2012; Gupta, 2006). A toxidez é mais comum em regiões áridas ou onde o material de origem dos solos é marinho. Por outro lado, excesso na aplicação de fertilizantes, via solo ou foliar podem acarretar em toxidez. Os sintomas se manifestam como uma clorose malhada e, posteriormente, manchas necróticas nos bordos das folhas mais velhas, que coincidem com as regiões da folha onde há maior transpiração (Faquin, 2005; Malavolta, 2006; Broadley et al., 2012).
Figura 3. Fotos de deficiência de boro em: a) milho; b) soja; c) café; d) citros; e) girassol; f) feijão; g) algodão. Fitotoxidez de boro em: h) soja; i) café.
(Fotos: Departamento Técnico ICL).
Boro amenizando a toxidez de alumínio
Solos tropicais apresentam limitações ao crescimento e estabelecimento das culturas e isso se deve principalmente aos efeitos da acidez do solo. Dentro dos componentes da acidez, o alumínio é um dos principais limitantes à produtividade da maior parte das culturas (Fidelis et al., 2016).
Além dos efeitos fitotóxicos do alumínio na solução do solo pode-se citar a diminuição da divisão celular e a capacidade das raízes se alongar resultando em inibição do sistema radicular, com raízes mais grossas, deformadas e quebradiças (Figura 4). Ainda, a toxidez de alumínio interfere na síntese de DNA, diminui a divisão e replicação celular, altera a permeabilidade das membranas plasmática e alterações nas funções das mitocôndrias e complexo de Golgi (Miyasaka et al., 2009; Kopittke et al., 2015). Como consequência ocorre uma redução no crescimento e desenvolvimento das plantas.
Figura 4. Meristema apical de raiz de trigo submetidas ao tratamento normal (esquerda) e com 5 µM de cloreto de alumínio (Zhou et al., 2011).
Como forma de amenizar os efeitos desse alumínio tóxico nas raízes, pesquisadores têm proposto a utilização de B, uma vez que esse micronutriente atua na manutenção das membranas e parede celular (Sardar et al., 2006; Li et al., 2018; Riaz et al., 2018).
De acordo com Li et al. (2018), o aumento de B na solução promove uma alcalinização da superfície radicular, mantem a integridade das membranas, aumenta a formação de proteínas e compostos pécticos próximos às raízes aumentando a tolerância ao Al tóxico. Corroborando com os resultados, Riaz et al. (2018b) verificaram que as raízes de citros (Poncirus trifoliate) crescendo em solução com alumínio (200µM) tiveram um incremento de até 69% quando o B foi adicionado a essa solução. Segundo os autores, o incremento de B pode ser utilizado para melhorar o crescimento radicular e amenizar os danos às estruturas das raízes causados por alumínio.
Outra linha de pesquisa mostra que, em condições de altos teores de alumínio, a aplicação de B estimula respostas do sistema antioxidante, principalmente das enzimas catalase, peroxidase, peroxidase do ascorbato e redutase da glutationa, que reduzem o efeito do alumínio nas raízes (Figura 5) e também as suas concentrações em folhas e raízes (Cakmak & Römheld, 1997; Corrales et al., 2008; Riaz et al., 2018B).