Nutrição foliar: Todas as fontes possuem a mesma eficiência?

Dinâmica e fontes para aplicação via solo

August 1, 2022
12mins
Evandro Antônio Minato
Brasil
Hellismar Wakson da Silva
Brasil

1. Introdução

Com a descoberta no século 19 de que os nutrientes podem ser absorvidos pelas folhas das plantas (Mayer, 1874), a nutrição foliar tornou-se uma importante estratégia visando melhorar a nutrição das culturas. Ao longo dos anos, a nutrição foliar evoluiu junto com o desenvolvimento de novas tecnologias e atualmente, o fornecimento de nutrientes via folha é considerada uma técnica consolidada.
O sucesso da nutrição foliar é dependente das tecnologias empregadas nas fontes e sua interação com fatores ambientais, fisiológicos da planta, e relacionados a compatibilidade de calda com outros ingredientes ativos. Assim, este boletim técnico busca trazer à tona informações sobre as principais fontes disponíveis no mercado e suas interações no sistema produtivo.

2. Fontes de nutrientes para nutrição foliar

2.1 Tipos de fontes e sua origem
As fontes de nutrientes para nutrição foliar podem ser classificadas como inorgânica, complexo orgânico e quelato sintético. As fontes inorgânicas são sais metálicos, como sulfato, cloreto e nitrato (solúveis em água) e óxidos e carbonatos (insolúveis ou pouco solúveis em água). Estas fontes inorgânicas podem ser encontradas naturalmente na natureza ou produzidos pela indústria por meio da calcinação e/ou acidulação. A partir da Figura 1, é possível observar que para transformar uma fonte inorgânica insolúvel ou de baixa solubilidade (óxido) em uma fonte inorgânica solúvel em água (sais metálicos), a rocha precisa ser atacada com ácidos fortes, ou seja, para ocorre a solubilização de um óxido, o meio deve ser ácido (baixo pH).

Figura 1. Solubilização dos óxidos em fontes solúveis (Sulfatos, Cloretos e Nitratos) utilizando ácido sulfúrico, ácido clorídrico e ácido nítrico, respectivamente.

 

Os complexos orgânicos são produzidos pela reação de sais metálicos com subprodutos orgânicos da indústria de celulose, destacando-se principalmente o lignosulfonato (LS). Por ser de derivação orgânica, o lignosulfonato pode apresentar características físicas e/ou químicas distintas em função do material utilizado na indústria de celulose e método de extração utilizado (Barbora, 2018; Benedicto et al., 2011), conforme pode-se observar na Tabela 1. A composição química dos LS apresentadas na Tabela 1 são altamente variáveis, com teor de LS variando de 390 a 835 (unidade), o que consequentemente pode conferir diferentes estabilidades de ligação com o nutrientes associado e, principalmente, a possibilidade de ocorrer incompatibilidade em tanque.

 

Tabela 1. Características químicas de diferentes lignosulfonatos (LS). (Adaptado de Benedicto et al., 2011).

CaracterísticaUnidadeLS 1LS 2LS 3LS 4LS 5LS 6
pH-3,64,36,84,73,52,3
Teor de LSg kg-1835587559653504390
S Orgânicog kg-1555145574555
Fenólicos -OHg kg-1191918183118
-COOHg kg-1263577676358
Mwg mol-12573262757550790362594975

 

Conforme observado acima, a variabilidade existente dos lignosulfonatos, impossibilita a determinação de uma constante de estabilidade única deste agente complexante com micronutrientes (Tabela 2). Tal característica torna arriscada a utilização deste tipo de produto na nutrição foliar, uma vez que sua mistura com outros produtos com Log K elevado como o Glifosato pode proporcionar incompatibilidade com a calda de pulverização. VOCÊ SABIA? A constante de estabilidade do lignosulfonato com os micronutrientes pode variar de acordo com a matéria prima e método de extração utilizado (Barbora, 2018; Benedicto et al., 2011).

 

Tabela 2. Constante de estabilidade (Log K) entre diferentes agentes quelantes e micronutrientes (Clemens et al., 1990; Lundager Madsen et al.,1978).

Por sua vez, os quelatos sintéticos são originados da combinação de um agente quelante que contém átomos doadores ou grupos (ligantes) que podem combinar com um íon metálico simples para formar uma estrutura cíclica chamada de quelato. Embora existam vários quelatos sintéticos, os mais conhecidos são aqueles originados do o ácido etilenodiamino tetra-acético (EDTA).
É importante salientar que cada fonte mencionada acima possui características distintas (solubilidade, tamanho molecular, carga elétrica, e ponto de deliquescência) que interferem na absorção, translocação dos nutrientes e consequentemente eficiência da nutrição foliar.

2.2 Solubilidade das fontes e absorção pelas plantas
A solubilidade em água da fonte é um fator essencial para a absorção foliar, uma vez que a absorção irá ocorrer apenas quando o nutriente estiver dissolvido em uma fase líquida (Fernández et al., 2013). A importância da solubilidade da fonte utilizada na nutrição foliar é evidenciada no estudo realizado por Li et al. (2019). Neste estudo os autores aplicaram na superfície de uma folha, duas soluções, uma contendo uma fonte solúvel (ZnSO4) e outra uma fonte de baixa solubilidade (oxido de Zn). Após determinado tempo, a quantidade de Zn absorvido pelas folhas foi quantificado utilizando micro-fluorescência de raios X (μ-XRF). Os resultados deste trabalho demonstram que as fontes de maior solubilidade aumentaram o teor de Zn (cores mais intensas) no tecido foliar após 3 horas (Figura 2 A) e 3 dias (Figura 3 B). Os autores também observaram que fontes de baixa solubilidade (oxido de Zn) mesmo em escala nanométrica (tamanho menor que 100 nm) foram menos absorvidos que fonte de maior solubilidade (ZnSO4) após 6 e 24 horas de exposição (Figura 3).

Figura 2. Comparação da absorção foliar de nano-ZnO e ZnSO4 após exposição por 3 horas (A) ou 3 dias (B) (Adaptado de Li et al., 2019).

 

Figura 3. Comparação da absorção foliar de Zn entre diferentes fontes utilizando espectrometria de massa com plasma indutivamente acoplado (ICP-MS). (Adaptado de Li et al., 2019). IMPORTANTE: A absorção foliar de Zn proveniente de fontes solúveis pode ser até 92 vezes maior que Zn na forma de óxido nanoparticulado após 6 horas de exposição (Li et al., 2019).

Você sabia? A legislação brasileira por meio da Instrução Normativa Nº 39, de 8 de agosto de 2018, possibilita o registro de fertilizantes com natureza física suspensão concentrada contendo nutrientes de baixa solubilidade em água para aplicação via foliar (MAPA 2018).
IMPORTANTE: Embora não seja indicado a fonte utilizada no rotulo do produto, produtos com elevada concentração do nutriente e elevada densidade geralmente são oriundos de fontes insolúveis como óxidos e carbonatos.

2.3 Tamanho molecular
O tamanho da molécula presente no fertilizante foliar também deve ser levado em consideração, uma vez que esta característica afeta a possibilidade e a velocidade da absorção cuticular. IMPORTANTE: Embora seja possível absorção de partículas até 2,4 nm via poros aquosos na cutícula, e até 43 nn por meio dos estômatos (Eichert and Goldbach, 2008), partículas de maior tamanho são discriminadas não sendo passíveis de serem absorvidas (Schreiber; Schönherr, 2009). Neste sentido, Gomes et al. (2020) caracterizaram treze fertilizantes contendo suspensões concentradas (fontes insolúveis) comercializados no Brasil e observaram que o tamanho médio de partícula destes fertilizantes era muito superior a 100 nm (Figura 4). Segundo estes mesmos autores, a absorção foliar destes fertilizantes é improvável, uma vez que o tamanho de partícula é superior ao limite de exclusão observado para as vias estomáticas e cuticulares (Gomes et al., 2020).

Figura 4. Imagens de microscopia de eletrônica de varredura destacando o diâmetro das particular de fertilizantes contendo CuO (A), MnCO3 (B) e ZnO (C) (Adaptado de Gomes et al., 2020).

 

2.4 Carga elétricas e translocação
Para que ocorra a penetração e translocação dos nutrientes, estes devem ultrapassar a cutícula da folha que estão carregadas negativamente (Schönherr e Huber, 1977). Desta forma, espécies descarregadas e ânions podem penetrar na folha e se mover no interior do tecido foliar mais facilmente do que cátions carregados positivamente (Fernández et al., 2013). Neste sentido, o nutriente quelatado (EDTA) o qual possuem sua carga elétrica neutralizada possui maior capacidade de ser absorvido e translocado para outros órgãos da planta. Para verificar a importância da carga elétrica, Tian et al. (2015) realizaram um experimento onde se avaliou a translocação de Zn. Neste estudo, os autores pulverizaram folhas com, Zn-Quelato (EDTA) e Zn-Sulfato. Após um determinado tempo, amostras do tecido vascular onde não houve pulverização foram coletadas e o teor de Zn determinado utilizando micro-fluorescência de raios X (μ-XRF). Os autores observaram maior concentração de Zn no feixe vascular do pecíolo (região com coloração mais avermelhada) com Zn-Quelato (EDTA) em relação ao Zn-Sulfato (Figura 5). Tais resultados evidenciam a maior capacidade de translocação dos nutrientes na forma de quelato (EDTA) em relação a outras fontes.

Figura 5. Concentração de Zn (Vermelho) no feixe vascular do pecíolo sem aplicação de Zn (Controle), após aplicação foliar de Zn-Sulfato e Zn-Quelato (EDTA) (Adaptado de Tian et al., 2015).

 

2.5 Ponto de deliquescência

Os processos de hidratação e dissolução de sais são determinados pelo ponto de deliquescência (PD). O ponto de deliquescência é definido como o valor da umidade relativa no qual o sal se torna um soluto. Desse modo, quando a umidade relativa do ar estiver acima do ponto de deliquescência da fonte, o composto aplicado se dissolverá e estará disponível para ser absorvido pela folha. O ponto de deliquescência é variável de acordo com a fonte, porém aditivos podem ser usados para reduzir este índice e melhorar a eficiência da fonte. Exemplo disso pode ser observado no trabalho de Alexander e Hunsche (2016), que utilizaram tensoativos para melhorar a absorção de Mn-EDTA e Zn-EDTA em ambiente de alta umidade relativa do ar (90%). Vale ressaltar que a adição de tensoativos em quelatos se faz necessária, espcialmente nas condições de baixa umidade relativa do ar, em que a eficiência de quelatos sem tensoativos é drasticamente reduzida.

Figura 6. Penetração cuticular (%) de diferentes fontes de Mn e Zn com e sem tensoativos (TAV) (Plus) (Adaptado de Alexander & Hunsche, 2016).

2.6 Segurança e compatibilidade
Além das características relacionadas a absorção e translocação, existe uma grande variabilidade das fontes quanto a segurança e compatibilidade na mistura com outros defensivos agrícolas (Tabela 3). Esta característica é muito importante uma vez que a mistura de calda possibilita reduzir os custos operacionais mantendo a eficiência tanto da nutrição foliar quanto do ingrediente ativo.

 

Tabela 3. Concentração, solubilidade e compatibilidade em tanque de fontes de manganês (Adaptado de Boas Práticas para Uso Eficiente de Fertilizantes, IPNI).

Fontes de manganês% MnSolubilidadeCompatibilidade em tanque
Óxido - Mno41-68Não solúvelCompatível
Carbonato - MnCO331Não solúvelCompatível
Sulfato - MnSO426 - 30,5SolúvelNão compatível
Cloreto - MnCl217SolúvelNão compatível
Quelato - Mn-EDTA13SolúvelCompatível

 

Exemplo da incompatibilidade de calda pode ser observado quando ocorre a mistura de fontes base de sulfato (MnSO4) e cloreto (MnCl2) com glifosato. Tal mistura, reduz a eficiência do ingrediente ativo e forma precipitados e grumos em solução. Bernards et al. (2015), realizaram um estudo com o objetivo de verificar o efeito dos fertilizantes foliares na absorção do herbicida glifosato pelas plantas. Os autores observaram após 48 horas, que a quantidade absorvida de glifosato pelas plantas variou de 70% utilizando Mn-EDTA para 25% utilizando Mn com lignosulfonato e MnSO4 (Figura 6).

Figura 6. Absorção de 14C-glyphosato (%) com diferentes fontes de Mn na mistura de tanque (Adaptado de Bernards et al., 2005).

 

Além de reduzirem a eficiência do ingrediente ativo conforme demonstrado acima, algumas fontes podem desestabilizar a calda, formando precipitados e grumos em solução (Figura 7) que obstruem o sistema de filtragem do pulverizador, comprometendo o fluxo dos bicos, diminuindo a eficiência da nutrição foliar e vida útil dos bicos, além reduzir a eficiência operacional.

 

Figura 7. Kellus Manganese (Mn-EDTA) + Glifosato (A), Lignosulfonato-Mn + Glifosato (B), e Cloreto de Mn + Glifosato (C). Fonte: Vinícius Faria.

 

Desta forma, a escolha de fontes para a nutrição foliar que sejam solúveis em água, possuindo características que possibilitem uma alta penetração e translocação dos nutrientes no interior da planta, aliado a compatibilidade na mistura de tanque com outros ingredientes ativos traz segurança para agricultor e é chave para o sucesso da nutrição foliar.

 

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