Nutrição e qualidade da fibra do algodão

Nutrição e qualidade da fibra do algodão

October 1, 2021
9mins

A fibra de algodão é uma célula hiperelongada que surge das células do tegumento externo da semente. Como todas as células vegetais vivas, o desenvolvimento das fibras de algodão (Figura 1) responde individualmente às mudanças e diferenças dos macros e microambientes. A qualidade da fibra de qualquer genótipo de algodão é uma propriedade composta por interações complexas entre o potencial genético do genótipo, condições ambientais e práticas de manejo. As propriedades da fibra, principalmente comprimento e diâmetro, são amplamente dependentes da genética. Já a maturidade da fibra, que é dependente da deposição de fotossintatos na parede celular da fibra, é mais sensível a mudanças no ambiente de crescimento (Bradow & Davidonis, 2010). A qualidade da fibra de algodão, e não a quantidade, determina o uso final e o valor econômico da safra de algodão e, consequentemente, os lucros retornados aos produtores e beneficiadores.

Figura 1. Fibras de algodão em desenvolvimento; observe-se a iniciação e a rápida elongação inicial. A) 0 dias após a antese (DPA); B) 1 DPA; C) 2 DPA (Fonte: Jernsted citado por Hsieh, 2007)

Vários parâmetros analisados para classificação da qualidade da fibra do algodão são diretamente afetados por fatores como clima ou desequilíbrio nutricional, entre eles estão: micronaire, comprimento, resistência, maturidade, índice de fibras curtas, entre outros. Esses parâmetros são determinados pelo método High Volume Instrumentals (HVI). Um sistema de prêmios e descontos foi estabelecido com relação a uma qualidade “base” específica. Em geral, o valor da fibra de algodão aumenta à medida que a fibra aumenta em brancura, comprimento, resistência e micronaire. No entanto, há descontos para valores como micronaire menor que 3,5 e maior que 4,9; por exemplo (Bradow & Davidonis, 2010).

Fatores que afetam a qualidade da fibra

Características do dossel dos genótipos, como formato das folhas e fatores macro e microambientais interagem para modular a distribuição de luz do dossel, que, por sua vez, altera a atividade fotossintética no dossel e na cultura (SassenrathCole e Heitholt, 1996). Assim, taxas fotossintéticas reduzidas e a modulação de outros fatores metabólicos como a nutrição e correção do solo em associação com menores intensidades de luz resultaram em menor micronaire, resistência de fibras e rendimento; dentro da formação e propriedades da fibra e como são suas estruturas (Figura 2) (Pettigrew, 1996).

Figura 2. Representação esquemática da estrutura da fibra de algodão com suas partes principais (Fonte: Kondo e Sabino, 1989)

A nutrição por sua vez afeta a arquitetura da planta sendo tanto o excesso de N aplicado na cultura como o atraso em sua aplicação que gera frutos maiores na parte superior da planta, com uma diminuição do tamanho dos frutos da parte de baixo (Boquet et al., 1994) dessa forma, alongando o ciclo e aumentando a proporção de maçãs que maturam em época com menos água e temperatura mais baixa. Fatores esses que levam a menor porcentagem de rendimento de fibra, fibras de pior qualidade, com menores micronaire, comprimento, uniformidade, resistência, alongamento e fiabilidade (Ferreira et al., 2004).

Nutrição mineral e qualidade de fibra

A qualidade da fibra pode ser afetada de várias formas, assim qualquer deficiência nutricional, que por consequência diminua a fotossíntese, a assimilação ou o transporte de carboidratos, pode afetar negativamente a qualidade da fibra, tendo em vista que o que mais se obtém do metabolismo do algodoeiro, por fim, é a transformação do carboidrato em celulose (Figura 3).

Figura 3. Teores de celulose e açúcares redutores em fibras de algodão durante seu desenvolvimento. Médias de duas cultivares de G.hirsutum (Fonte:adaptado de Abidi et al., 2010)

 

No entanto, o fato da deficiência poder causar problemas de qualidade não quer dizer que a aplicação de nutrientes como potássio (K) ou nitrogênio (N) vá, necessariamente, melhorar a qualidade da fibra (Constable e Bange, 2007).
O N em excesso pode resultar em menor qualidade, por afetar o índice de maturidade da planta diretamente (Madani e Oveisy, 2015), contribuindo para um prolongamento do ciclo, assim, os frutos amadurecem em condições climáticas fora das ideais; o excesso de N pode também reduzir o índice micronaire, reduzindo-o conforme a dose de N é aumentada (Raphael, 2019); já a deficiência de N pode prejudicar o comprimento e a resistência da fibra, assim como o micronaire (Read et al., 2006). A obtenção de fibras de qualidade inicia com a escolha da cultivar, época, população de plantas e pela nutrição adequada. A dose de N adequada á produtividade e qualidade deve considerar o teor de matéria orgânica do solo, a textura do solo e a produtividade almejada. Além disso, o parcelamento da adubação deve considerar o potencial de perdas de N no solo (lixiviação e volatilização), o comprimento da janela de cultivo, a fim de se evitar a deficiência ou estimular o crescimento em uma época que não seja adequada á maturação dos frutos.
O K pode melhorar a elongação e a grossura da parede secundária da fibra, assim como a resistência (Waraich et al., 2011). Esse macronutriente tem grande efeito na maturidade da fibra e também no micronaire, com menor efeito no comprimento e na resistência (Zhao et al., 2013). O K está associado ao transporte de açúcares, dessa forma sua deficiência pode afetar a deposição de microfibrilas de celulose na parede secundária das fibras, alterando a resistência, a espessura e o micronaire (Kappes et al., 2016).
Embora o K seja um elemento móvel na planta, sendo translocado para os frutos, ele se acumula nas paredes das maçãs e não é translocado em grande quantidade para as sementes ou para as fibras, logo, se bem nutrido o algodoeiro com K durante o ciclo, dificilmente acarretará em perda de produtividade ou qualidade (Rosolem e Mikkelsen, 1991). Para o macronutriente fósforo (P), sabe-se que aplicado ao algodoeiro não resulta em modificação na qualidade da fibra, exceto no rendimento de benefício (Tewolde e Fernandez, 2003; Saleem et al., 2011), no entanto o solo corrigido e com os níveis adequado de P, são essenciais no cultivo do algodoeiro.
Para os macronutrientes secundários, no cenário atual poucas observações sobre o efeito de cálcio (Ca) e Magnésio (Mg) na qualidade da fibra de algodão, por outro lado, o enxofre melhora o micronaire e a uniformidade de comprimento (Gormus, 2014), no entanto também é relatado resultados negativos na uniformidade de comprimento (Gormus e El Sabagh, 2016).
Os micronutrientes por sua vez são imprescindíveis no manejo para a obtenção de uma fibra de qualidade, entre eles, o boro (B) tem sido universalmente reconhecido como o micronutriente mais importante para a produção de algodão. Uma melhor qualidade da fibra (finura, uniformidade e resistência) foi relatada com a aplicação B. Lavouras de altas produtividades da Austrália (1800 e 2400 kg ha-1 de fibra) absorveram e exportaram 320 e 560 e 70 e 62 g ha-1 de B (Rochester, 2007).
Dentro da nutrição, sabe-se que qualquer fator que afete a fotossíntese do algodoeiro, desde macro a micronutrientes pode afetar a qualidade da fibra produzida, sendo que mesmo que alguns nutrientes estejam em deficiência leve, pode não haver problemas de qualidade do algodão produzido. Os fatores que afetam de maneira direta também podem estar relacionados ao excesso do uso de fertilizantes de piora a qualidade da fibra, assim como pela aplicação de maneira errada do nitrogênio, do fósforo e também do boro. Em conclusão, a nutrição balanceada e em quantidade suficiente para atender a expectativa de produtividade também garantirá boa qualidade às fibras. Atenção especial deve ser dada às regiões com baixas temperaturas na fase de maturação, pois nessa condição mesmo lavouras bem nutridas estarão limitadas pela baixa atividade metabólica das enzimas envolvidas na síntese de celulose, o que tende a limitar o ganho em peso e em qualidade da fibra.

 

Referências
ABIDI, N.; HEQUET, E.; CABRALES, L. Changes in sugar composition and cellulose content during the secondary cell wall biogenesis in cotton fibers. Cellulose, v.17, p. 153–160, 2010.
BOQUET, D. J., MOSER, E. B., & BREITENBECK, G. A. (1994). Boll weight and within-plant yield distribution in field-grown cotton given different levels of nitrogen. Agronomy Journal, 86(1),
20-26.
BRADOW, J. M., & DAVIDONIS, G. H. (2010). Effects of environment on fiber quality. In Physiology of cotton (pp. 229-245). Springer, Dordrecht.
BRADOW, J. M., DAVIDONIS, G. H., HINOJOSA, O., WARTELLE, L. H., PRATT, K. J., PUSATERI, K., …
& DASTOOR, P. H. (1996). Environmentally induced variation in cotton fiber maturity and related yarn and dyed knit defects.
BRADOW, J. M., WARTELLE, L. H., BAUER, P. J., & SASSENRATH-COLE, G. F. (1997). Small-sample cotton fiber quality quantitation.
CONSTABLE, G. A., & BANGE, M. (2007). Producing and preserving fiber quality: from the seed to the bale. Agron. J, 95, 1323-1329.
FERREIRA, G.B.; SEVERINO, L.S.; PEDROSA, M.B.; ALENCAR, A.R.; VASCONCELOS, O.L.; FERREIRA, A.F; ABREU Jr., J. S. Resultados de pesquisa com a cultura do algodão no oeste e sudoeste
da Bahia, safra 2003/2004. Campina Grande: Embrapa Algodão, 2004. 112p. (Documentos, 133).
GORMUS, O. Cotton yield response to sulfur as infuenced by source and rate in the çukurova region, Turkey. Özgül Süleyman Demirel Üniversitesi Ziraat Fakültesi Dergisi, v.9, 68-76, 2014.
GORMUS, O.; el SABAGH, A. Efect of nitrogen and sulfur on the quality of the cotton fber under Mediterranean conditions. Journal Of Experimental Biology And Agricultural Sciences, v.4, n.6, 662-669, 2016.
HSIEH, Y.L. Chemical structure and properties of cotton. In: GORDON, S.; HSIEH, Y.L. (Ed.). Cotton: science and technology. 1. Ed. Boca Raton: Crc Press, 2007.p. 3-34.
KAPPES, C.; ZANCANARO L.; FRANCISCO E.A.B. Nitrogen and potassium in narrow-row cotton. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v.40, 2016.
KONDO, J.I.; SABINO, N.P. Classifcação Tecnológica do Algodão. Campinas: Instituto Agronômico, 1989. v.2. 42p.
MADANI, A.; OVEYSI, M. Fiber quality and yield response of cotton to nitrogen supply. International Conference on Chemical, Food and Environment Engineering (Iccfee’15), Dubai (Uae), 2015.
MOORE, J.F. 1996. Cotton classification and quality. pp. 51-57. In: The cotton industry in the United States. (Eds.): E.H.Jr., Glade, L. A. Meyer and H. Stults Agric. Econ. Rep., 739.
PETTIGREW, W.T. 1996. Low light conditions compromise the quality of fiber produced. p.
1238–1239. In Proc. Beltwide Cotton Conf., Nashville, TN. 9–12 Jan. 1996, Natl. Cotton Counc. Am., Memphis, TN.
RAPHAEL, J. P. A. (2019). Produtividade e qualidade do algodão em função da adubação nitrogenada sob restrição luminosa.
READ, J.J.; REDDYB, K.R.; JENKINS, J.N. Yield and fber quality of upland cotton as infuenced by nitrogen and potassium nutrition. European Journal of Agronomy, v.24, p. 282-290, 2006.

REDDY, V.R., D.N. BAKER, AND H.F. HODGES. 1991. Temperature effects on cotton canopy growth, photosynthesis, and respiration. Agron. J. 83:699–704.
ROCHESTER, I.J. Nutrient uptake and export from an Australian cotton field. Nutr Cycl Agroecosyst 77, 213–223 (2007). https://doi.org/10.1007/s10705-006-9058-2
ROSOLEM, C.A.; MIKKELSEN, D.S. Potassium absorption and partitioning in cotton as afected
by periods of potassium defciency. Journal of Plant Nutrition, v.14, p. 1001-1016, 1991.
SASSENRATH-COLE, G.F., AND J.J. HEITHOLT. 1996. Limitations to optimal carbon uptake within
a cotton canopy, p.1239–1240. In Proc. Beltwide Cotton Conf., Nashville, TN. 9–12 Jan. 1996. Natl. Cotton Counc. Am., Memphis TN.
WARAICH, E.A.; AHMAD, R.; HUR, R.G.M.; EHSANULLAH; AHMAD, A.; MAHMOOD, N. 2011. Response of foliar application of KNO3 on yield, yield components and lint quality of cotton (Gossypium hirsutum L.). African Journal of Agricultural Research, v.6, p. 5457-5463, 2011.